Resolução final dos protestantes em Nimes
A respeito da conduta dos protestantes, estes cidadãos tão perseguidos, levados a um estremado sofrimento por seus perseguidores, sentiram afinal que somente lhes restava escolher a forma de morrer. Decidiram unanimemente que morreriam lutando em defesa própria. Esta firme atitude fez ver a seus perseguidores que já não poderiam assassinar impunemente. Todo mudou de imediato. Aqueles que durante quatro anos tinham aterrorizado outrem, agora experimentaram este sentimento. Tremiam ante a força de homens que, tanto tempo resignados, achavam no desespero, e seu alarme se intensificou quando souberam que os habitantes das Cevennes, convencidos do perigo em que se achavam seus irmãos, estavam dirigindo-se ali em auxílio deles. Mas, sem esperar a chegada destes reforços, os protestantes apareceram de noite na mesma ordem e armados da mesma forma que seus inimigos. Os outros desfilavam pelos Boulevards, com seu usual barulho e fúria, mas os protestantes permaneceram calados e firmes nos postos que tinham tomado. Três dias continuaram estes perigosos e ominosos encontros, todavia se impediu o derramamento de sangue pelos esforços de alguns dignos cidadãos distinguidos por seu nível e fortuna. Ao partilhar os perigos da população protestante, obtiveram o perdão para um inimigo que agora tremia enquanto ameaçava.
CAPÍTULO 22 - O começo das missões americanas no estrangeiro
Samuel J. Milss, enquanto estudante do Williams College, reuniu em sua volta um grupo de companheiros estudantes, sentindo todos a carga do grande mundo pagão. Um dia de 1806, quatro deles, alcançados por uma tempestade, se refugiaram sob a coberta de um monte de palha. Passaram a noite em oração pela salvação do mundo, e resolveram, se houver oportunidade para isso, ir eles mesmos como missionários. Esta "reunião de oração da palha" virou histórica.
Estes jovens foram posteriormente ao Seminário Teológico de Andover, onde se uniu a eles Adoniram Judson. Quatro deles enviaram uma petição à Associação Congregacional de Massachusetts em Bradford, o 29 de junho de 1810, oferecendo-se como missionários e perguntando se poderiam esperar o apoio de uma sociedade deste país, ou se deviam solicitá-lo a uma sociedade britânica. Como resposta a este chamamento, se constituiu a Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras.
Quando se solicitou um estatuto para a Junta, uma alma incrédula objetou desde os bancos dos legisladores, alegando, em oposição à petição, que o país tinha uma quantidade tão pequena de cristãos que não se poderia prescindir de nenhum deles para exportação; porém outro, que estava dotado de uma constituição mais otimista, lhe lembrou que se tratava de um bem que quanto mais se exportasse, tanto mais aumentaria na pátria. Houve muita perplexidade acerca da planificação e dos aspectos financeiros, pelo que Judson foi enviado à Inglaterra para conferenciar com a Sociedade de Londres em quanto à possibilidade da cooperação das duas organizações para enviar e sustentar os candidatos, mas este plano deu em nada. Afinal se conseguiu suficiente dinheiro e em fevereiro de 1812 zarparam para oriente os primeiros missionários da Junta Americana. O senhor Judson ia acompanhado de sua mulher, tendo-se casado com Ann Hasseltine pouco antes de empreender a viagem.
Durante a longa travessia, o senhor e a senhora Judson e o senhor Rice foram levados de alguma forma a revisar suas convicções acerca do modo apropriado do batismo, chegando à conclusão de que somente era válida a imersão, e foram re-batizados por Carey pouco do de chegarem a Calcutá. Este passo necessariamente cortou sua relação com o corpo que os havia enviado, e os deixou sem apoio. O senhor Rice voltou a América a informar desta circunstância aos irmãos batistas. Eles contemplaram a situação como resultado de uma ação da Providência, e planejaram anelantes aceitar a responsabilidade que tinha-lhes sido lançada acima deles. Assim, se formou a União Missionária Batista. Deste modo o senhor Judson foi quem deu ocasião à organização de duas grandes sociedades missionárias.
A perseguição do doutor Judson
Depois de trabalhar por um tempo no Indostán, o doutor e a senhora Judson se estabeleceram por fim no Império Birmanês em 1813. em 1824 explodiu uma guerra entre a Companhia das Índias Orientais e o imperador da Birmânia. O doutor e a senhora Judson e o doutor Price, que estavam em Ava, a capital da Birmânia, foram, ao começar a guerra, arrestados de imediato e encerrados por vários meses. O relato dos sofrimentos dos missionários foi escrito pela senhora Judson, e aparece em suas próprias palavras:
Rangún, 26 de maio de 1826.
Meu querido irmão...
Começo esta carta com a intenção de dar-te os detalhes de nosso cativeiro e sofrimentos em Ava. A conclusão desta carta determinará até quando minha paciência me permitirá lembrar cenas desagradáveis e horrorosas. Tinha mantido um diário com todo o que havia acontecido desde a nossa chegada a Ava, mas o destruí ao começarem nossas dificuldades".
O primeiro conhecimento certo que tivemos da declaração da guerra por parte dos birmaneses foi ao chegar a Tsenpyu-kywon, a uns 160 quilômetros a este lado de Ava, onde haviam acampado parte das tropas, sob o mando do célebre Bandula. Seguindo nossa viagem, nos encontramos com o próprio Bandula, com o resto das tropas, regiamente equipado, sentado em sua barcaça dourada, e rodeado por uma frota de barcos de guerra de ouro, um dos quais foi enviado de imediato ao outro lado do rio para interpelar-nos e fazer-nos todas as perguntas necessárias. Se nos permitiu prosseguir tranqüilamente quando o mensageiro foi informado que éramos americanos, não ingleses, e que íamos a Ava em obediência ao governo de sua Majestade.
Ao chegar à capital, encontramos que o doutor Price estava fora do favor ante a corte, e que ali havia mais suspeitas contra os estrangeiros que em Ava. Teu irmão visitou duas ou três vezes o palácio, mas achou que o caráter do rei para com ele era muito diferente do que tinha sido anteriormente; e a rainha, que antes havia expressado desejos pela minha chegada, não perguntou agora por mim, nem indicou desejo algum de ver-me. Conseqüentemente, não fiz esforço algum por visitar o palácio, embora era convidada quase a diário para visitar alguns dos parentes da família real, que viviam em suas próprias casas, fora do recinto do palácio. Sob estas circunstâncias, acreditamos que o mais prudente seria prosseguir nossa intenção original de construir uma casa e de iniciar as operações missionárias segundo houvesse oportunidade, tratando assim de convencer o governo de que não tínhamos nada a ver com a atual guerra.
Duas ou três semanas depois de nossa chegada, o rei, a rainha, todos os membros da família real e a maior parte dos oficiais do governo voltaram a Amarapora, a fim de acudir e tomar possessão do novo palácio na forma acostumada.
Não me atreverei a descrever este esplêndido dia, quando sua majestade entrou, com toda a glória que lhe acompanhava, pelas portas da cidade dourada e posso dizer que entre as aclamações de milhões, tomou possessão do palácio. Os saupwars das províncias fronteiriças com a China, todos os vice-reis e altos oficiais do reino, estavam reunidos para a ocasião, vestidos em suas roupas de estado, e adornados com a insígnia de seu ofício. O elefante branco, ricamente ornamentado com ouro e jóias, era um dos objetos mais belos na procissão. Somente o rei e a rainha estavam sem enfeitar, vestidos na simples vestimenta do país; entraram, tomando-se da mão, no jardim no qual tínhamos tomado assento, e onde se preparou um banquete para seu refrigério. Todas as riquezas e a glória do imperador foram exibidas aquele dia. O número e o imenso tamanho dos elefantes, os numerosos cavalos, e a grande variedade de veículos de toda descrição, ultrapassou com muito todo o que eu jamais tinha visto ou imaginado. Pouco depois que sua majestade tomara possessão do novo palácio, se deu ordem de que não se permitisse entrar a nenhum estrangeiro, exceto a Lansago. Ficamos um tanto alarmado ante isto, porém concluímos que era por motivos políticos, e que talvez não nos afetaria de maneira essencial.
Durante várias semanas não aconteceu nada alarmante para nós, e prosseguimos com nossa escola. O senhor Judson predicava cada domingo, tínhamos conseguido todos os materiais para construir uma casa de tijolos, e os pedreiros haviam realizado um considerável avanço na construção do edifício.
O 23 de maio de 1824, quando acabávamos nosso culto em casa do doutor, do outro lado do rio, chegou um mensageiro para dizer-nos que Rangún tinha sido tomada pelos ingleses. o conhecimento disto nos provocou um choque no qual havia uma mistura de gozo e de temor. O senhor Gouger, um jovem comerciante residente em Ava, estava então conosco, e tinha mais razões para temer que o resto de nós. Contudo, todos voltamos de imediato a nossa casa e começamos a considerar que deveríamos fazer. O senhor G. foi visitar o príncipe Thar-yar-wadi, o irmão mais influente do rei, que lhe informou que não devia temer ns, pois ele já havia tocado esta questão com sua majestade, que havia respondido que "os poucos estrangeiros que havia em Ava não tinham nada a ver com a guerra, e não deviam ser molestados".
O governo estava agora em pleno movimento. Um exército de dez ou doze mil homens, sob o mando de Kyi-wun-gyi, foi enviado após três ou quatro dias, aos que se devia unir Sakyer-wun-gyi, que tinha sido anteriormente designado vice-rei de Rangún e que estava a caminho para ali quando lhe chegaram as notícias do ataque. Não havia dúvidas acerca da derrota dos ingleses; o único temor do rei era que os estrangeiros soubessem do avanço das tropas birmanesas, e que pudessem alarmar-se tanto que fugissem a bordo de seus barcos e fossem embora antes de que houvesse tempo de tomá-los e submetê-los a escravidão. "Trazei-me" disse um selvagem jovem do palácio, "seis kala pyu (estrangeiros brancos) para que remem em minha barca"; "E para mim" disse a dama de Wun-gyi, "enviai-me quatro estrangeiros brancos para que dirijam os negócios de minha casa, porque sei que são servos de fiar". As barcas de guerra, com grande moral, passaram diante de nossa casa, cantando e dançando os soldados, e dando mostras do maior regozijo. Coitados meninos!, dissemos nós; provavelmente nunca volteis dançar. E assim foi, porque poucos, ou nenhum deles, voltaram a ver sua casa natal.
Afinal o senhor Judson e o doutor Price foram chamados a um tribunal de interrogatórios, onde se lhes fez uma estrita indagação acerca do que sabiam. A grande questão parecia ser se havia existido o costume de comunicar-se com estrangeiros acerca do estado do país, etc. eles responderam que sempre tiveram o costume de escrever a seus amigos da América, mas que não mantinham correspondência com oficiais ingleses nem com o governo de Bengala. Depois de ser interrogados, não foram encerrados, como o foram os ingleses, senão que se lhes permitiu voltar a suas casas. Ao examinar as contas do senhor G., se encontrou que o senhor J. e o doutor Price tinham recebido sumas consideráveis de dinheiro de sua parte. Ignorando como ignoravam os birmaneses a forma em que recebíamos o dinheiro, por ordens desde Bengala, esta circunstância foi suficiente evidência para suas mentes desconfiadas de que os missionários estavam pagos pelos ingleses, e que muito provavelmente eram espiões. Assim se apresentou a questão ao rei, que enfurecido ordenou o arresto imediato dos "dois mestres".
O 8 de junho, enquanto nos preparávamos para a comida, entrou precipitadamente um oficial, que tinha um livro preto, com uma dúzia de birmaneses, acompanhados por um ao qual, por sua cara com manchas, soubemos que era um carrasco e "filho da prisão". "Onde está o mestre" foi a primeira pergunta. O senhor Judson se apresentou. "És chamado pelo rei", disse um oficial; esta é uma frase que sempre se utiliza quando se vai arrestar um criminoso. O homem com as manchas de imediato se apoderou do senhor Judson, o jogou no chão e tirou uma corda pequena, o instrumento de tortura. Peguei-o do braço: "Pare", disse, "lhe darei dinheiro". "Arrestem-na também a ela", disse o oficial; "também é estrangeira". O senhor Judson, com um olhar implorante, rogou que me deixassem até que recebessem novas ordens. A cena era agora chocante além de toda descrição.
Toda a vizinhança tinha-se reunido, os pedreiros trabalhando na casa de tijolos jogaram as ferramentas que correram, os meninos birmaneses estavam berrando e chorando, os criados bengaleses ficaram imóveis ao verem as indignidades cometidas contra seu patrão, e o endurecido carrasco, com gozo infernal, apertou as cordas, amarrando firmemente o senhor Judson, e o arrastou, não sabia eu aonde. Em vão roguei e supliquei àquela face manchada que aceitasse dinheiro e afrouxasse as cordas, mas escarneceu de meus oferecimentos, e foi embora de imediato. Contudo, dei dinheiro a Moung Ing para que os seguisse, e voltasse a tentar mitigar a tortura do senhor Judson; porém em vez de ter êxito, quando se viram a uma distância da casa, aqueles insensíveis homens voltaram a jogar o preso por terra, e apertaram ainda mais as cordas, de modo que quase lhe impediam de respirar.
O oficial e seu grupo se dirigiram à corte de justiça, onde estavam reunidos o governador da cidade e os oficiais, um dos quais leu a ordem do rei de que o senhor Judson fosse lançado na prisão da morte, na qual logo foi colocado, a porta trancada e Moung Ing já não o viu mais. Que noite aquela! Me retirei a minha habitação, e tratei de conseguir consolo apresentando minha causa a Deus, e implorando fortaleza e forças para sofrer o que me esperasse. Mas não me foi concedido muito tempo o consolo da solidão, porque o magistrado do lugar veio à galeria, e me chamava para que eu saísse e me submetesse a seu interrogatório. Mas antes de sair destruí todas minhas cartas, diários e escritos de todo tipo, por se revelavam o fato de que tínhamos corresponsais na Inglaterra, e onde eu tinha registrado todos os acontecimentos desde a nossa chegada ao país. Quando acabei com esta obra de destruição, sai e me submeti ao interrogatório do magistrado, que indagou de forma muito detalhada acerca de tudo o que eu sabia; depois ordenou que fossem fechados os portões das instalações, que não se permitisse entrar nem sair a ninguém, pus uma guarda de dez esbirros, aos que lhes deu ordem estrita de guardar-me com segurança, e foi embora.
Era já escuro. Me retirei a uma estância interior com minhas quatro pequenas meninas birmanesas, e tranquei as portas. O guarda me ordenou de imediato que destrancasse as portas e saísse, ou derrubaria a casa. Me neguei obstinadamente a obedecer, e consegui intimidá-los, ameaçando-os com queixar-me de sua conduta antes as mais elevadas autoridades pela manhã. Ao ver que eu estava decidida a não obedecer a suas ordens, tomaram os dois criados bengaleses e os colocaram em cepos numa posição muito dolorosa. Não pude suportar isto; chamei o cabo desde a janela, e lhes disse que lhes faria um presente pela manhã a todos eles se soltavam os criados. Depois de muitas discussões e de muitas severas ameaças consentiram, porém pareciam decididos a irritar-me tanto quanto fosse possível. Meu estado desprotegido e desolado, minha total incerteza acerca da sorte do senhor Judson, as terríveis ameaças e a linguagem quase diabólica do guarda, tudo isso se uniu para fazer daquela com muito a noite mais angustiosa que jamais tenha passado. Podes bem imaginar, querido irmão, que o sono fugiu de meus olhos, e de minha mente a paz e a compostura.
Na manhã seguinte enviei a Moung Ing para que soubesse da situação de teu irmão, e que lhe desse alimentos, se ainda vivia. Logo voltou, com as notícias ed que o senhor Judson e todos os estrangeiros brancos estavam encerrados no cárcere da morte, com três pares de correntes de ferro, e amarrado a uma comprida estada, para impedir que se mexessem! Meu motivo de angústia agora foi que eu mesma era prisioneira, e que não podia fazer nada pela liberação dos missionários. Roguei e supliquei ao magistrado que me permitisse ir a algum membro do governo para defender minha causa; mas ele me disse que não ousava consentir, por temor de que eu fugisse. Depois escrevi a uma das irmãs do rei, com quem eu tivera uma estreita amizade, pedindo-lhe que utilizasse sua influência para a liberação dos mestres. A nota foi devolvida com esta mensagem: ela "não o compreendia", o que era uma cortês negativa a interferir; depois soube que tinha estado desejosa de ajudar-nos porém que não se atreveu a causa da rainha. O dia foi passando lentamente, e tinha ante mim outra terrível noite. Tratei de suavizar os sentimentos do guarda dando-lhes chá e cigarros para a noite, de modo que me permitiram permanecer em minha estância sem ameaçar-me como tinham feito na noite anterior. Contudo, a idéia de que teu irmão estivesse esticado num duro chão em ferrolhos e encerrado perseguia minha mente como um espectro, e me impediu dormir com tranqüilidade, embora estava quase exausta.
Ao terceiro dia enviei uma mensagem ao governador da cidade, que tem toda a direção das questões carcerárias, para que me permitisse visitá-lo com um presente. Isto teve o efeito desejado, e de imediato enviou ordem aos guardam para que me permitissem ir até a cidade. o governador me recebeu agradavelmente, e me perguntou que desejava. Lhe apresentei a situação dos estrangeiros, e em particular a dos americanos, que eram estrangeiros e que nada tinham a ver com a guerra. Me disse que não estava em sua mão liberá-los do cárcere, mas que podia fazer mais cômoda sua situação; havia um oficial chefe, a quem devia consultar acerca dos médios. O oficial, que resultou ser um dos escritores da cidade, e cujo rosto apresentava a simples vista o mais perfeito conjunto de paixões unidas à natureza humana, me levou aparte, e tratou de convencer-me de que tanto eu como os prisioneiros estávamos totalmente em suas mãos, que nosso futuro bem-estar iria depender da generosidade de nossos presentes, e que estes deviam ser entregues de forma secreta, sem que o soubesse funcionário algum do governo. "Que devo fazer para mitigar os sofrimentos atuais dos mestres" lhe perguntei. "Pague-me duzentos tickals (uns cem dólares), duas peças de tecido fino, e duas peãs de lenços". Eu tinha pegado dinheiro naquela manhã, sendo que nossa casa estava a três quilômetros do cárcere, e eu não poderia voltar facilmente. Ofereci este dinheiro ao escritor, e lhe roguei que não me pressionasse com os outros artigos, por quanto não dispunha deles. Ele duvidou por certo tempo, mas temendo perder de vista tanto dinheiro, decidiu tomá-lo, prometendo aliviar os mestres de sua penosa situação.
Depois consegui uma ordem do governador para poder ser admitida na prisão; porém as sensações produzidas por meu encontro com teu irmão naquela situação terrível, horrenda, e a cena patética que se seguiu, não tratarei de descrevê-las. O senhor Judson se arrastou até a porta da cela porque nunca se nos permitiu entrar, e me deu algumas instruções acerca de sua liberação; mas antes de poder realizar nenhum arranjo, aqueles endurecidos carcereiros, que não podiam suportar ver-nos gozar do mísero consolo de ver-nos naquele tétrico lugar, me ordenaram sair. Em vão aleguei a ordem do governador para ser admitida; de novo repetiram, com dureza: "Sai, ou te jogamos fora". Aquela mesma noite os missionário, junto com os outros estrangeiros, que tinham pagado uma suma igual, foram tirados do cárcere comum e encerrados num local aberto do recinto da prisão. Aqui se me permitiu mandá-lhes alimentos e esteiras sobre as quais dormir; mas não me permitiram voltar a entrar por vários dias.
Meu seguinte objeto foi lograr apresentar uma petição ante a rainha; mas ao não admitir-se em palácio ninguém que estivesse em desgraça com sua majestade, tentei apresentá-la por meio da mulher de seu irmão. Tinha-a visitado em melhores épocas, e havia recebido particulares sinais de seu favor. Porém os tempos tinham mudado; o senhor Judson estava em prisão, e eu angustiada, o que era suficiente razão para que me recebesse friamente. Levei um presente de valor considerável. Ela estava recostada em seu tapete quando eu entrei, e tinha suas damas junto dela. Não esperei a pergunta usual feita a um suplicante: "Que quereis?", senão que de maneira aberta, com vos intensa porém respeitosa, lhe expus nossa angústia e os males que nos tinham sido feitos, e lhe roguei sua ajuda. Ela levantou a cabeça um pouco, abriu o presente que lhe havia trazido, e contestou friamente: "Teu caso não é coisa fora do comum; todos os estrangeiros recebem o mesmo tratamento". "todavia sim é fora do comum", lhe disse, "Os mestres são americanos, são ministros de religião, e nada têm a ver nem com a guerra nem com a política. Nunca fizeram nada que mereça tais tratos, é justo tratá-los assim?" "O rei faz o que lhe apraz", disse ela, "Eu não sou o rei, que posso eu fazer?" "Poderíeis apresentar sua causa ao rei, e conseguir sua liberação", respondi. "Colocai-vos em minha situação; se vós estivésseis na América, e vosso marido, inocente de todo crime, fosse lançado na prisão, em ferrolhos, e vós, uma solitária mulher sem proteção, que faríeis?". Com um ligeiro sentimento em sua voz, disse: "Apresentarei sua petição, volte amanhã". Voltei à casa com consideráveis esperanças de que estava mais perto da liberação dos missionários. Porém no dia seguinte foram tomadas as propriedades do senhor Couger, com um valor de cinqüenta mil dólares, e levadas a palácio. Os oficiais, a seu regresso, me informaram educadamente que deveriam visitar nossa casa no dia seguinte. Fiquei agradecida por esta informação, e por isso fiz preparativos para recebê-los escondendo tantos artigos pequenos como fosse possível, junto com uma considerável quantidade de prata, pois sabia que se a guerra se prolongava nos veríamos em sério risco de morrer de fome sem ela. Contudo minha mente estava terrivelmente agitava, pois se isso se descobria me lançariam a mim no cárcere. E se eu tiver podido conseguir dinheiro de algum outro lugar, não teria-me arriscado a tomar este passo.
Na manhã seguinte, o tesoureiro real, Príncipe Tharyawadis, o Chefe Wun e Koung-tone Myu-tsa, que foi no futuro ns firme amigo, acompanhados por quarenta ou cinqüenta seguidores, para tomar possessão do que tínhamos. Os tratei com cortesia, lhes dei cadeiras para sentarem, e chá e doces para seu refrigério; e a justiça me obriga a dizer que executaram a atividade da confiscação com mais consideração para meus sentimentos que o que teria pensado poderiam exibir os funcionários birmaneses. Somente entraram os três oficiais na casa; seus acompanhantes receberam ordem de esperar fora. Viram que estava profundamente afetada, e pediram escusas pelo que deviam fazer, dizendo que não gostavam tomar possessão de uma propriedade que não era a deles, mas que estavam obrigados a fazê-lo por ordem do rei.
Onde estão sua prata, seu ouro e suas jóias?", perguntou o tesoureiro real. "Não tenho ouro nem jóias; mas aqui estão as chaves do baú que contém a prata; façam o que desejem". Selou o baú, e a prata foi pesada. "Este dinheiro", disse eu, "foi recolhido na América pelos discípulos de Cristo, e enviado aqui com o propósito de edificar um kyoung (o nome de uma casa de um sacerdote), e para nosso sustento enquanto ensinamos a religião de Cristo. É apropriado que o levem?" (Os birmaneses são adversos a tomar o que está dedicado desde uma vontade religiosa, o que me empurrou a perguntá-lhes isto). "Manifestaremos estas circunstâncias ao rei" disse um deles, "e talvez o restaurará. Mas, esta é toda a prata que tem?" Eu não podia menti-lhes. "A casa está em suas mãos", respondi, "busquem vocês mesmos". "Não depositou prata com alguma pessoa conhecida?". "Meus conhecidos estão todos em prisão. Com quem poderia depositar prata?"
De imediato, examinaram meu baú e minhas gavetas. Somente permitiram ao secretário acompanhar-me neste registro. Todo o bonito ou curioso que atraia sua atenção era apresentado aos oficiais, para sua decisão acerca de se devia ser tomado ou deixado. Roguei que não tomassem nossos vestidos, pois seria desonroso tomar roupas já usadas em possessão de sua majestade, e que para nós eram de enorme valor. Consentiram com isto, e levaram somente uma lista, e o mesmo fizeram com os livros, medicinas, etc. Resgatei de suas mãos minha pequena mesa de trabalho e cadeira de balanço, em parte com artifícios e em parte por sua ignorância. Também deixaram muitos artigos de grande valor durante nosso longo encerramento.
Tão logo como acabaram com seu registro e partiram, me apressei a ver o irmão da rainha, para saber al tinha sido a sorte de minha petição, mas, ay!, todas minhas esperanças ficaram esmagadas pelas frias palavras de sua mulher, dizendo: "Apresentei sua causa à rainha; porém sua majestade me respondeu: Os mestres não morrerão; que fiquem como estão. Minhas expectativas tinham sido tão elevadas que esta sentença foi como o fragor de um trovão para meus sentimentos. Porque a verdade se me fez evidente que se a rainha recusava ajudar, que ousaria interceder por mim? com o coração oprimido, fui embora, e de caminho a casa tratei de entrar na prisão, para comunicar as tristes novas a teu irmão, porém me recusaram asperamente a entrada. Tentamos comunicar-nos por escrito, e depois de tê-lo logrado por vários dias, foi descoberto; o pobre homem que levava as comunicações foi açoitado e colocado no cepo; e esta circunstância me custou uns dez dólares, além de dois ou três dias de agonia, por temos às conseqüências.
Os oficiais que tinham tomado possessão de nossas propriedades as apresentaram a sua majestade, dizendo: "Judson é um verdadeiro mestre; nada achamos em sua casa exceto o que pertence aos sacerdotes. Além deste dinheiro, havia uma grande quantidade de livros, medicinas, baús com roupas, do qual somente fizemos uma lista. O tomaremos, ou o deixaremos?" "Que seja deixado", disse o rei, "e coloca estas propriedades aparte, porque lhe serão devolvidas se é encontrado inocente". Esta era uma alusão à idéia de que fosse um espia.
Durante os dois ou três meses seguintes estive sujeita a contínuas fustigações, em parte devido a minha ignorância pela forma de agir da policia, e em parte pelo insaciável desejo de cada suboficial de enriquecer-se por meio de nosso infortúnio.
Tu, meu querido irmão, que conheces minha intensa adesão para meus amigos, e quanto prazer tenho experimentado até aqui nas lembranças, poderás julgar pelas circunstâncias expostas quão intenso era meu sofrimento. Mas o ponto culminante de minha angústia residia na terrível incerteza acerca de nossa sorte final. Minha opinião dominante era que meu marido sofreria uma morte violenta e que eu, naturalmente, viraria escrava para enlanguescer numa breve embora miserável existência em mãos de algum monstro sem sentimentos. Mas os consolos da religião, nestas circunstâncias tão duras, não foram "pequenos nem poucos". Me ensinou a olhar além deste mundo, para aquele repouso de paz e felicidade onde Jesus reina, e onde nunca entra a opressão.
Alguns meses depois do encarceramento de teu irmão, me permitiram fazer uma pequena habitação de bambu nos recintos da prisão, e onde se me permitia passar às vezes duas ou três horas. Aconteceu que os dois meses que passou neste lugar foram os mais frios do ano, quando teria sofrido muito no local aberto que ocupava antes. Depois de nascer tua sobrinha, me foi impossível visitar o cárcere e o governador como antes, e descobri que tinha perdido a considerável influência conseguida antes; porque já não estava tão bem disposto a ouvir-me quando havia uma dificuldade, como antes. Quando Maria tinha quase dois meses, seu pai me enviou uma mensagem uma manhã de que todos os prisioneiros brancos tinham sido colocados na prisão mas interna, com cinco pares de ferrolhos cada um, que sua pequena habitação tinha sido destrocada, e que os carcereiros tinham levado sua esteira, almofada, etc. isto foi para mim uma terrível sacudida, porque pensei de imediato que era somente o anúncio de piores males.
A situação dos presos era agora angustiosa além de toda descrição. Era o começo da época estival. Havia por volta de cem prisioneiros encerrados numa estância. Sem ar, exceto por umas fendas nas tábuas. Às vezes davam permissão para acudir à porta por cinco minutos, e meu coração encolhia-se ante a miséria que contemplava. Os presos brancos, devido a sua sudoração incessante e à perda do apetite, pareciam mais mortos que vivos. Fiz rogos diários ao governador, oferecendo-lhe dinheiro, porém o recusava; tudo que consegui foi permissão para que os estrangeiros comessem seu alimento fora, e isto prosseguiu durante muito pouco tempo.
Depois de continuar na prisão interna durante mais de um mês, teu irmão caiu doente de febres. Tinha a certeza de que não viveria muito tempo, a não ser que fosse tirado daquele lugar pestilento. Para lográ-lo, e a fim de estar perto do cárcere, sai de nossa casa e pus uma pequena estância de bambu no recinto do governador, que estava quase na frente da grade da prisão. Daqui roguei incessantemente ao governador que me desse uma ordem para tirar o senhor Judson fora da prisão grande e colocá-lo em situação mais cômoda; o ancião, cansado afinal de meus rogos, me deu finalmente a ordem num documento oficial; também deu ordem ao carcereiro chefe para permitir-me entrar e sair, a todas horas do dia, para ministrá-lhe medicinas. Agora me sentia feliz, certamente, e fiz que o senhor Judson fosse de imediato levado a uma pequena choça de bambu, tão baixa que nenhum dos dois podia estar de pé dentro dela, mas era um palácio em comparação com o lugar onde tinha estado.
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