CAPÍTULO 18 - O surgimento, progresso, perseguições e sofrimentos dos quáqueros
Ao tratar acerca destas pessoas desde uma perspectiva histórica, nos vemos obrigados a falar com muita gentileza. Não se pode negar que diferem da generalidade dos protestantes em certos pontos capitais de religião, e, contudo, como conformistas protestantes, ficam incluídos sob a descrição da lei da tolerância. Não é aqui assunto nosso indagar acerca de se houve pessoas de crenças similares nos tempos da cristandade primitiva; talvez não, em certos aspectos, porém devemos escrever acerca deles não em quanto a como eram, senão em quanto ao que agora são. Certo é que têm sido tratados por vários escritores de forma muito depreciativa; também é certo que não mereciam este tratamento.
O apelativo de Quáqueros [1] foi-lhes dado como termo de vitupério, como conseqüência das evidentes convulsões que sofriam quando davam seus discursos, porque imaginavam que eram efeito da inspiração divina.
Não nos toca a nós agora indagar se as crenças destas pessoas concordam com o Evangelho, mas o que sim é verdade é que o primeiro de seus líderes como grupo separado foi um homem de escuro berço, que primeiro viveu em Leicesterchire, por volta de 1624. ao referir-nos a este homem expressaremos nossos próprios sentimentos de uma forma histórica, e unindo a estes o que disseram os próprios Amigos, trataremos de dar uma narração completa.
George Fox descendia de pais honrados e respeitados, que o criaram na religião nacional; porém de criança parecia religioso, calado, firme e manifestando, além de seus anos, um conhecimento não comum das coisas divinas. Foi educado para a agricultura e outras atividades do campo, e estava inclinado de maneira particular à ocupação solitária de pastor, emprego este bem apropriado para sua mente em vários aspectos, tanto por sua inocência como por seu afã de solidão; e foi um justo emblema de seu ministério e de seus serviços posteriores. No ano 1646 deixou totalmente a Igreja nacional, em cujos princípios tinha sido criado e até então, observado; em 1647 se dirigiu a Derbyshire e Nortinghamshire, sem nenhum propósito determinado de visitar nenhum lugar particular, senão que andou solitário por várias cidades e povoados, ali onde o levava a mente. "Jejuava muito", diz Sewell, "e freqüentemente caminhava a lugares retirados, sem outra companhia que sua Bíblia". "Visitou à gente mais retirada e religiosa daqueles lugares", diz Penn, "e alguns havia, bem poucos, besta nação, que esperavam a consolação de Israel dia e noite; como Zacarias, Ana e Simeão a esperavam em tempos antigos. A estes foi enviado, e a estes buscou nos condados limítrofes, e entre eles ficou até que lhe foi dado um ministério mais amplo. Neste tempo ensinou, e foi um exemplo de silêncio, tratando de tirá-los de uma atuação artificial, testemunhando-lhes acerca da luz de Cristo dentro deles, e voltando-ao a ela, e alentando-os a esperar pacientemente, e a sentir seu poder agitando-se em seus corações, para que seu conhecimento e culto a Deus pudesse consistir no poder de uma vida incorruptível que devia ser achada na luz, por quanto era obedecida na manifestação da mesma no homem: porque no Verbo estava a vida, e a vida era a luz dos homens. Vida na palavra, luz nos homens; e vida também nos homens, assim como a luz é obedecida; vivendo os filhos da luz pela via da Palavra, pela qual a Palavra os gera de novo para Deus, o qual é a geração e o novo nascimento, sem o qual não há entrada no Reino de Deus, no qual todo aquele que entra é maior que João, isto é, que a dispensação de João, que não era a do Reino, senão que foi a consumação da legal, e precursor dos tempos do Evangelho, do tempo do Reino. Por isso, começaram a realizar-se várias reuniões naquelas partes, e assim dedicou seu tempo durante alguns anos".
No ano 1652 "teve uma grande visitação da grande obra de Deus na terra, e da forma em que devia sair, para iniciar seu ministério público". Empreendeu rumo ao norte, "e em todos os lugares aos que chegava, se não antes de chegar a eles, lhe era mostrado de forma particular seu exercício e serviço, de modo que o Senhor era verdadeiramente seu condutor". Converteu a muitos a suas opiniões, e muitos homens piedosos e bons se uniram a seu ministério. Estes foram escolhidos especialmente para visitar as assembléias públicas para repreender, reformar e exortar os ouvintes. Às vezes em mercados, férias, pelas ruas e pelos caminhos, "chamando os homens ao arrependimento e a voltar para o Senhor, com todo o coração, assim como com suas bocas; dirigindo-os à luz de Cristo dentro deles, para que vissem, examinassem e considerassem seus caminhos, e a evitar o mal e a fazer a boa e agradável vontade de Deus".
Não se encontraram sem oposição na tarefa para a qual imaginavam ter sido chamados, sendo freqüentemente colocados em cepos, apedrejados, espancados, açoitados e encarcerados, embora fossem homens honrados e de boa reputação que haviam deixado mulheres, filhos, casas e terras para visitá-los com um vivo chamamento ao arrependimento. Mas estes métodos coercitivos antes acenderam que diminuíram seu zelo, e naquelas zonas lhes ganharam muitos prosélitos, e entre eles vários magistrados e outros das classes altas. Entenderam que o Senhor tinha-lhes proibido descobrir a cabeça diante de ninguém, alto ou baixo, e que lhes demandava se dirigissem a todos, sem distinção, tratando-os de "tu". Tinham escrúpulos acerca de desejar bons dias ou boas noites às pessoas, e não podiam dobrar joelho diante de ninguém, nem sequer da suprema autoridade. Tanto homens como mulheres levavam uma vestimenta simples, diferente da moda dos tempos. Não davam nem aceitavam títulos de respeito ou honra, e a ninguém na terra estavam dispostos a chamar de mestre. Citavam vários textos da Escritura para defender estas peculiaridades, como "Não jureis", "Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?" [2], etc. etc. baseavam a religião numa luz interior, e num impulso extraordinário do Espírito Santo.
Em 1654 celebraram sua primeira reunião separada de Londres, em casa de Robert Dring, em Warling Street, porque para aquele então tinham-se estendido por todas partes do reino, e em muitos lugares haviam aparecido reuniões ou assembléias, particularmente em Lancashire e régios adjacentes, porém continuavam expostos a grandes perseguições e provações de todo tipo. Um deles, numa carta ao protetor, Oliveiro Cromwell, lhe diz que embora não há leis penais que obriguem ninguém a se submeter à religião estabelecida, contudo os quáqueros são denunciados por outras causas; são multados e encarcerados por recusar prestar juramento; por não pagar dízimos; por perturbar as assembléias públicas e reunir-se nas ruas e lugares públicos; a alguns deles os haviam chicotado como a vagabundos, e por falar com fraqueza aos magistrados.
Sob o favor da tolerância então existente abriram suas reuniões em Bull e Mouth, em Aldersgate Street, onde suas mulheres, igual que os homens, eram estimuladas a falarem. Seu zelo os levou a algumas extravagâncias, o que os expus mais ao açoite de seus inimigos, que agiram duramente contra eles no seguinte reinado. Ao ser suprimida a insensata insurreição de Venner, o governo publicou uma proclama proibindo os anabatistas, quáqueros e Homens da Quinta Mocarquia que celebrassem assembléias ou reuniões sob pretexto de dar culto a Deus, exceto se o faziam em alguma igreja paroquial, ou em casas privadas, com o consentimento do dono da casa, declarando-se ilegais e sediciosas todas as reuniões em quaisquer outros lugares, etc., etc. Então os quáqueros consideraram conveniente enviar a seguinte carta ao rei, com as seguintes palavras:
Oh, rei Carlos!
É nosso desejo que vivas sempre no temor de Deus, e também teu Conselho. Te rogamos a ti e a teu Conselho que leais as seguintes linhas com piedade e compaixão para nossas almas, e para teu bem.
E considera isto, que estamos encarcerados uns quatrocentos em e em volta da cidade, homens e mulheres, arrebatados a suas famílias, e além uns mil nos cárceres dos condados; desejamos que nossas reuniões possam não ser dispersas, senão que tudo venha a justo juízo, para que seja manifesta nossa inocência.
Londres, dia 16, mês décimo primeiro, 1660.
O 28 daquele mesmo mês publicaram a declaração a que faziam referência e seu discurso, intitulada "Uma declaração da inocente gente de Deus chamada os Quáqueros, contra toda sedição, maquinações e briguentos do mundo, para eliminar as bases de ciúmes e suspeitas, tanto dos magistrados como do povo no reino, acerca de guerras e lutas". Foi apresentada ao rei no dia 21 de novembro de 1660, e lhes prometeu, por sua real palavra, que não sofreriam por suas opiniões sempre e quando vivessem pacificamente; porém suas promessas foram depois bem pouco levadas em conta.
Em 1661 cobraram suficiente valor para pedir à Câmara dos lorde s que houvesse tolerância para sua religião, e para serem isentos de prestar juramento, que consideravam ilegítimo não por desafeição alguma ao governo, nem por crer que ficariam menos obrigados sob uma asseveração, senão por estarem persuadidos de que todos os juramentos eram ilegítimos; e que jurar estava proibido, até nas ocasiões mais solenes, no Novo Testamento. Sua petição foi rejeitada, e em vez de dar-lhes tolerância, se promulgou uma lei contra eles, cujo preâmbulo dizia: "Que por quanto várias pessoas adotaram a opinião de que um juramento é ilegítimo e contrário à lei de Deus, inclusive quando se realiza diante de um magistrado; e por quanto, sob a pretensão de culto religioso, as mencionadas pessoas se reúnem em grandes números em diversos lugares do reino, separando-se do resto dos súbditos de sua majestade e das congregações públicas e lugares usuais de culto divino, se promulga por isso que se tais pessoas, depois do 4 de março de 1661-62, recusam prestar juramento quando seja ministrado legalmente, ou persuadem a outros a recusá-los, ou mantêm por escrito ou de qualquer outra forma a ilegitimidade de prestar juramento; ou se se reúnem para u culto religioso em número de cinco, de uma idade de quinze anos para acima, pagarão pela primeira ofensa cinco libras; pela segunda, dez libras; pela terceira serão desterrados do reino, ou transportados às plantações; os juízes de paz poderão ouvir e decidir suas causas". Esta lei teve o mais terrível efeito sobre os quáqueros, embora bem se sabia que estas pessoas de boa consciência estavam longe de toda sedição ou rebelião contra o governo. George Fox, em suas palavras ao rei, lhe comunica que três mil sessenta e oito de seus amigos tinham sido encarcerados desde a restauração de sua majestade; que suas reuniões eram diariamente dispersadas por homens com paus e armas, e que seus amigos eram lançados na água e pisoteados até que manava sangue, o que fazia que se reunissem nas ruas. Imprimiu-se um documento, assinado por doze testemunhas, no que se comunica que havia mais de quatro mil duzentos quáqueros encarcerados; deles, quinhentos em Londres e seus subúrbios, e vários deles tinham morrido nos cárceres.
Contudo, se gloriavam em seus padecimentos, que aumentavam a cada dia, de maneira que em 1665 e nos anos de interinidade foram fustigados de forma inacreditável. Como persistiam resolutamente em reunir-se abertamente em Bull e Mouth, lugar já mencionado, os soldados e outros oficiais os levaram dali à prisão, até que Newgate ficou lotada deles, e multidões morreram pelo estreito confinamento, naquele e noutros cárceres.
Seiscentos deles, diz um relato publicado naquele tempo, estavam encarcerados, simplesmente por causa de sua religião, dos que vários foram levados às plantações. Em resumo, os quáqueros deram tanto trabalho aos informantes, que estes tiveram menos tempo para assistir às reuniões de outros inconformados.
Não obstante, sob todas estas calamidades se comportavam pacientemente e com gentileza ante o governo, e quando teve lugar o complô de Ryehouse em 1682 consideraram conveniente proclamar sua inocência acerca daquele falso complô, num documento enviado ao rei, no qual, "apelando ao Esquadrinhador de todos os corações", dizem que "seus princípios não lhes permitem tomar armas em defesa própria, e muito menos vingar-se pelos danos recebidos de outrem; que continuamente oram pela segurança e preservação do rei; e que por isso aproveitam esta oportunidade para rogar humildemente a sua majestade que tenha compaixão de seus sofredores amigos, que lotam tanto seus cárceres que têm carência de ar, com evidente perigo para suas vidas e com perigo de infecções em diversos lugares. Além disso, muitas casas, oficinas, celeiros e campos são saqueados, e seus bens, trigo e gados são arrebatados, com o que se desanima o trabalho e a agricultura, empobrecendo-se muita quantidade de gente pacifica e trabalhadora; e isto por nenhum outro motivo que pelo exercício de uma consciência sensível no culto do Deus Todo Poderoso, que é soberano Senhor e Rei das consciências dos homens.
Ao ascender Tiago ao trono, se dirigiram àquele monarca de maneira honrada e simples, dizendo-lhe: "Viemos para testemunhar nossa dor pela more de nosso bom amigo Carlos, e nosso gozo porque tenhas sido feito nosso governante. Se nos diz que não pertences à persuasão da Igreja de Inglaterra, como tampouco nós o somos; por isso, esperamos que nos concedas a mesma liberdade que tu te permites, fazendo o qual desejamos todo tipo de bênçãos".
Quando Tiago, pelo poder do qual estava investido, concedeu liberdade aos não conformados, começaram eles a gozar de algum descanso de suas angústias; e certamente já era o momento para isso, porque haviam crescido em grande número. O ano anterior a este, que para eles foi de feliz liberação, numa petição que expuseram a Tiago para que se pusesse fim a seus sofrimentos, estabeleceram "que nos últimos tempos mil e quinhentos de seus amigos, tanto homens como mulheres, dos que agora restavam mil trezentos e oitenta e três; dos quais duzentos são mulheres, muitas com sentença de desacato à autoridade regia; e mais de cem delas, por recusarem realizar juramento de lealdade, porque não podem jurar. Trezentos e cinqüenta morreram em prisão desde o ano 1680; em Londres, o cárcere de Newgate tem ficado lotado até arrebentar, havendo nos últimos dois anos até quase vinte pessoas por cela, pelo qual várias pessoas morreram asfixiadas e outros, que saíram doentes, morreram de febres malignas após alguns dias. Grandes violências, destroços enormes, terríveis perturbações e saqueios tremendos têm sido aplicados aos bens e possessões da gente, por um grupo de informantes ociosos, insólitos e implacáveis, por perseguições baseadas na lei de conspirações, e outras, também em escritos qui tam, e em outros processo por vinte libras por mês, e duas terceiras partes de suas possessões confiscadas para o rei. Alguns não tinham uma cama na qual jazer, outros não tinham animais para lavrar o solo, nem trigo para alimento ou pão, nem ferramentas de trabalho; os tais informadores e xerifes penetravam violentamente em casas em alguns lugares, com o pretexto de servir o rei e à Igreja. Nossas assembléias religiosas têm sido acusadas ante a lei comum de ser sediciosas e perturbadoras da paz pública, pelo que grandes números foram encerrados em prisão sem consideração alguma pela idade, e muitos lançados em buracos e masmorras. Os aprisionamentos por vinte libras por mês tinham levado a milhares de pessoas encarceradas, e vários que haviam empregado a pessoas pobres em manufaturas não podem já mais fazê-lo, por seu prolongado confinamento. Não perdoam viúvas nem órfãos, e tampouco têm nem sequer cama onde dormir. Os informantes são ao mesmo tempo testemunhas e fiscais, para ruína de grande número de famílias frugais; e juízes de paz foram ameaçados com multas de 100 libras se não emitem ordens de prisão com base em suas denúncias". Com esta petição apresentaram uma lista de seus amigos encarcerados, nos vários condados, que ascendia a quatrocentos e sessenta.
Durante o reinado do rei Tiago II, esta gente foi, pela intercessão de seu amigo senhor Penn, tratada com maior tolerância do que jamais o havia sido. Tinham-se tornado muito numerosos agora em muitos lugares do país, e ao ter lugar, pouco depois, o estabelecimento de Pensilvânia, muitos foram para a América. Ali gozaram das bênçãos de um governo pacifico, e cultivaram as artes do trabalho honrado.
Como toda a colônia era propriedade do senhor Penn, convidou a gentes de todas as denominações a ir e assentar-se ali. Teve lugar uma liberdade de consciência universal; e nesta nova colônia se estabeleceram pela primeira vez os direitos naturais da humanidade.
Estes Amigos são, em tempo presente, um grupo bem inocente e inofensivo; mas já falaremos disso numa seção posterior. Por suas sábias leis, não somente se honram a si mesmos, senão que são de grande serviço para a comunidade.
Pode ser necessário observar aqui que por quanto os Amigos, comumente chamados quáqueros, não prestam juramento num tribunal, se permite sua afirmação em todas as questões civis; porém não podem perseguir um criminoso, porque nos tribunais ingleses toda evidência deve ser sobre juramento.
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