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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Livro dos Mártires - Parte 12

CAPÍTULO 5: Uma história da Inquisição


Quando a religião reformada começou a difundir a luz do Evangelho por toda a Europa, o Papa Inocente III temeu em grande modo pela Igreja de Roma. Por isso, designou um número de inquisidores, ou pessoas que deviam inquirir, prender e castigar os hereges, tal como os papistas chamavam aos reformados.
Encabeçando estes inquisidores estava um certo Domingo, que tinha sido canonizado pelo Papa a fim de fazer sua autoridade tanto mais respeitável. Domingo e os vários inquisidores se estenderam pelos vários países católico-romanos tratando os protestantes com a maior dureza. Finalmente, o Papa, não encontrando a estes inquisidores itinerantes tão úteis como havia imaginado, resolveu estabelecer uns tribunais fixos e regulares da Inquisição. O primeiro destes tribunais regulares se estabeleceu na cidade de Toulouse, e Domingo foi nomeado primeiro inquisidor regular, assim como tinha sido primeiro inquisidor itinerante.
Depois se estabeleceram tribunais da Inquisição por vários países, mas foi a Inquisição Espanhola a que adquiriu maior poder, e foi a mais temida. Até os mesmos reis da Espanha, embora arbitrários em todos os outros aspectos, aprenderam a temer o poder dos senhores da Inquisição; e as horrendas crueldades que estes exerciam obrigaram a multidões, que diferiam em suas opiniões dos católico-romanos, a dissimular seus sentimentos.
Em 1244, se poder aumentou mais graças ao imperador Frederico II, que se declarou amigo e protetor de todos os inquisidores, e que publicou estes cruéis editos: 1) que todos os hereges que persistissem em sua obstinação fossem queimados; 2) que todos os hereges que se arrependessem fossem encarcerados de por vida.
Este zelo do imperador em favor dos inquisidores católico remissão surgiu por causa de uma história que se havia propagado por toda a Europa, de que tinha a intenção de renunciar ao cristianismo e fazer-se maometano; por isso, o imperador tentou, por meio de um fanatismo extremado, contradizer a patranha e mostrar mediante sua crueldade seus adesão ao papado.
Os oficiais da Inquisição são três inquisidores, ou juízes, um fiscal, dois secretários, um magistrado, um mensageiro, um receptor, um carcereiro, um agente de possessões confiscadas, vários assessores, conselheiros, carrascos, médicos, cirurgiões, porteiros, familiares e visitantes, que estão juramentados para guardar o segredo.
A principal acusação em contra dos que estão sujeitos a este tribunal é a heresia, que se compõe de tudo o que se fala, ou escreve, em contra dos artigos do credo ou das tradições da Igreja de Roma. A Inquisição, também, investiga a todos os acusados de serem mágicos, e dos que lêem a Bíblia na língua comum, o Talmude dos judeus ou o Corão dos maometanos.
Em todas as ocasiões os inquisidores levam a cabo seus processos com a mais cruel severidade, castigando os que o ofendem com uma crueldade sem comparação. Poucas vezes se mostrará misericórdia para um protestante, e um judeu que se converter ao cristianismo está longe de estar seguro.
Na Inquisição uma defesa vele bem pouco para um preso, porque uma mera suspeita é considerada como suficiente causa de condena, e quanto maior seja sua riqueza, tanto maior seu perigo. A parte mais importante das crueldades dos inquisidores se deve à sua rapacidade; destroem as vidas para possuírem as riquezas, e sob pretensão de zelo pela religião saqueiam as pessoas que odeiam.
A um preso da Inquisição nunca lhe é permitido ver o rosto de seu acusador, nem os das testemunhas em sua contra, senão que se tomam todos os métodos de ameaças e torturas para obrigá-lo a acusar-se a si mesmo, e por este meio, corroborar suas evidências. Se não assentir plenamente à jurisdição da Inquisição, se proclama vingança contra todos aqueles que a coloquem em dúvida, caso resistirem a alguém de seus oficiais; todos os que se opõem a eles sofrearão com uma certeza quase total por tal temeridade; a máxima da Inquisição é infundir terror e pavor aos que tem sob seu poder, para levá-los a obedecer. O berço nobre, a estirpe ou os empregos eminentes não constituem proteção frente a seus rigores; e os mais humildes oficiais da Inquisição podem fazer tremer os mais altos dignitários.
Quando a pessoa acusada é condenada, é ou duramente açoitada, violentamente torturada, enviada às galeras, ou condenada a morte; em todo caso lhe são confiscados os bens. Depois do juízo, se leva a cabo uma procissão que se dirige ao lugar da execução, cerimônia que se chama auto de fé.
O que se segue é um relato de um auto de fé executado em Madri no ano 1682.
Teve lugar o 30 de maio. Os oficiais da Inquisição, precedidos por trombetas, timbales e sua bandeira, desfilaram a cavalo até o lugar da praça maior, onde fizeram a proclamação de que o 30 de junho se executaria sentença contra os presos.
Destes prisioneiros, seriam queimados vinte homens e mulheres, e um maometano renegado; cinqüenta judeus, homens e mulheres, que nunca antes tinham sido encarcerados, e arrependidos de seus crimes, foram sentenciados a um longo confinamento, e a portar uma coroa amarela. Toda a corte da Espanha estava presente nesta ocasião. O grande trono do inquisidor foi situado numa espécie de estrado muito por acima do rei.
Entre os que seriam queimados encontrava-se uma jovem judia de deliciosa formosura, de somente dezessete anos. Encontrando-se ao mesmo lado do patíbulo em que estava a rainha, dirigiu-se a ela com a esperança de conseguir o perdão, com as seguintes patéticas palavras: "Grande rainha: não me será vossa régia presença de algum serviço em minha desgraçada condição? Tende compaixão de minha juventude, e, ah, considerai que estou a ponto de morrer por uma religião na que fui ensinada desde a minha mais tenra infância!". Sua majestade parecia compadecer-se muito de sua angústia, porém desviou seu olhar, porque não se atrevia a dizer uma palavra em favor de uma pessoa que tinha sido declarada herege.
Agora começou a Missa, em meio da qual o sacerdote acudiu desde o altar, ficou perto do patíbulo, e sentou numa cadeira disposta para ele.
Então o grande inquisidor desceu desde o anfiteatro, vestido com sua capa, e com uma mitra na cabeça. Depois de inclinar-se diante do altar, se dirigiu até o palco do rei, e subiu a ele, assistido por alguns dos oficiais, levando uma cruz e os Evangelhos, com um livro contendo o juramento mediante o qual os reis da Espanha se obrigavam a proteger a fé católica, a extirpar os hereges, e a sustentar com todo seu poder as atuações e os decretos da Inquisição; um juramento semelhante foi tomado dos conselheiros e de toda a assembléia. A Missa começou às doze do meio-dia, e não acabou até as nove da noite, alargada por uma proclamação das sentenças de vários criminosos, que tinham sido já pronunciadas por separado em alta voz, uma após outra.
Depois disto seguiu-se a queima dos vinte e um homens e mulheres, cujo valor nesta horrenda morte foi verdadeiramente assombroso. O rei, por sua situação perto dos condenados, pode ouvir muito bem seus estertores enquanto morriam; não obstante não pôde ausentar-se desta terrível cena, por quanto era considerado um dever religioso, e por quanto seu juramento de coroação o obrigava a dar sanção, com sua presença, a todos os atos do tribunal.
O que já dissemos pode ser aplicado às inquisições em geral, assim como à da Espanha em particular. A Inquisição de Portugal agia exatamente sob o mesmo plano daquela da Espanha, tendo sido instruída numa época mui semelhante, e colocada sob as mesmas normas. Os inquisidores permitem que se empregue tortura somente três vezes, mas nestas ocasiões é infligida de maneira tão severa, que o preso ou morre nela, ou fica impedido para sempre, e sofre as mais severas dores a cada mudança de tempo. Daremos uma ampla descrição dos terríveis tormentos ocasionados pela tortura, em base do relato de um que a sofreu as três vezes, mas que felizmente sobreviveu às crueldades sofridas.
Na primeira tortura, entraram seis carrascos, o despiram deixando-o em cueca, e o colocaram sobre sua espalda numa espécie de plataforma elevada uns poucos pés sobre o chão. A operação começou colocando em volta de seu pescoço um anel de ferro, e outros anéis em cada pé, o que o fixou na plataforma. Estando assim estirados seus membros, amarraram duas cordas em volta de cada coxa, que passando sob a plataforma por meio de buracos para este propósito, foram esticadas ao mesmo tempo, por quatro dos homens, ao dar-se o sinal.
É fácil conceber que as dores que lhe sobrevieram de imediato eram intoleráveis; as cordas, de pequena grossura, cortaram através da carne do preso até o osso, fazendo que brotasse o sangue em oito lugares distintos assim ligado ao mesmo tempo. Ao persistir o preso em não confessar o que demandavam os inquisidores, as cordas foram esticadas desta forma quatro vezes sucessivas.
A maneira de infligir a segunda tortura foi como segue: forçaram-lhe os braços para trás de modo que as palmas das mãos ficassem giradas para fora detrás dele; então, por meio de uma corda que as amarrava pelas munhecas, e que era puxada por um torno, as aproximavam gradualmente entre si de modo que se tocassem os dorsos das mãos e ficassem paralelas. Como conseqüência desta violenta contorção, seus dois ombros ficaram deslocados, e lançou uma considerável quantidade de sangue pela boca. Esta tortura se repetiu três vezes, depois do qual foi novamente levado à masmorra, onde o cirurgião lhe re-colocou os ossos.
Dois meses depois da segunda tortura, o preso, já algo recuperado, foi de novo conduzido à câmara de torturas, e ali, por última vez, teve de sofrer outro tipo de tormento, que lhe foi aplicado duas vezes sem interrupção alguma. Os verdugos colocaram uma grossa corrente de ferro em volta de seu corpo que, cruzando pelo peito, terminava nas munhecas. Depois o colocaram com as costas contra uma tábua grossa, em cada um de cujos extremos havia uma polia, através da qual corria uma corda que estava amarrada ao final da corrente em suas munhecas. Então o carrasco, estendendo a corda por meio de um torno que estava a certa distância detrás dele, pressionava ou achatava seu estômago em proporção à tensão que dava aos extremos das correntes. O torturaram de tal modo que lhe deslocaram por completo as munhecas e os ombros. Logo foram colocados novamente em seu lugar pelo cirurgião. Mas aqueles desalmados, não satisfeitos ainda com esta crueldade, fizeram-lhe de imediato sofrer este tormento por segunda vez, o que suportou (embora foi, se isso for possível, mais doloroso ainda), com a mesma integridade e resolução. Depois foi de novo enviado à masmorra, assistido por um cirurgião para que curasse suas feridas e ajustasse seus ossos deslocados, e ali ficou até seu auto de fé ou a sua liberação do cárcere, quando foi liberado, impedido e doente de por vida.

Narração do cruel trato e da queima de Nicholas Burton, um mercador inglês, na Espanha
O 5 de novembro do ano 1560, aproximadamente, o senhor Nicholas Burton, cidadão de Londres e mercador, que vivia na paróquia de são Bartolomeu de maneira pacífica e amena, executando sua atividade comercial, e achando-se na cidade de Cádiz, em Andaluzia, Espanha, acudiu a sua casa um Judas, ou, como eles o chamam, um familiar dos pais da Inquisição; este, perguntando pelo mencionado Nicholas Burton, fingiu ter uma carta para entregar-lhe em mão, e por este médio pôde falar com ele pessoalmente. Não tendo carta alguma que dar-lhe, tentou, com a arte que lhe outorgava seu amo, o diabo, averiguar aonde carregava suas mercancias, e principalmente atrasá-lo até que chegasse o sargento da Inquisição para prendê-lo, o que finalmente foi feito.
Ele, sabendo que não podiam acusá-lo por ter escrito, falado ou feito coisa alguma naquele país contra as leis eclesiásticas ou temporárias do reino, perguntou-lhes abertamente de que o acusavam para assim arrestá-lo, e disse-lhes para não fazê-lo, pois ele responderia à acusação. Mas eles nada responderam, senão que lhe ordenaram, com ameaças, que calasse a boca e não emitisse uma só palavra.
Assim o levaram à imundo cárcere comunitário de Cadiz, onde ficou acorrentado durante catorze dias entre ladrões.
Durante todo este tempo instruiu de tal modo aos pobres presos na Palavra de Deus, em conformidade ao bom talento que Deus tinha-lhe outorgado a este respeito, e também no conhecimento da língua espanhola, que naquele breve tempo conseguiu que vários daqueles supersticiosos e ignorantes espanhóis abraçassem a Palavra de Deus e rejeitassem suas tradições papistas.
Quando os oficiais da Inquisição souberam isto, o levaram, carregado de corrente, dali até a cidade de Sevilha, a uma prisão mais cruel e lotada chamada Triana, na que os mencionados pais da Inquisição procederam contra ele em segredo com base em sua usual cruel tirania, de modo que nunca lhe foi permitido nem escrever nem falar com mais ninguém de sua nação; desconhecemos até o dia de hoje quem foi seu acusador.
Depois, no dia 20 de dezembro, levaram-no, juntamente com um grande número de presos, por professarem a verdadeira religião cristã, até a cidade de Sevilha, a um lugar onde os inquisidores sentaram-se num tribunal que eles chamavam de auto. O haviam vestido com uma espécie de túnica rústica na que se fala em diversos lugares pintada a imagem de um grande demônio atormentando uma alma numa labareda de fogo, e em sua cabeça um boné com o mesmo motivo.
Lhe colocaram na boca um aparelho que forçava sua língua para fora, aprisionando-a, para que não pudesse dirigir a palavra a negligentemente para expressar sua fé nem sua consciência, e foi colocado junto de um inglês de Southampton e vários outros condenados por causa religiosas, tanto franceses como espanhóis, num patíbulo diante daquela Inquisição, onde se leram e pronunciaram contra eles seus juízos e sentenças.
Imediatamente depois de ter pronunciado estas sentenças, foram levados dali ao lugar da execução, fora da cidade, onde os queimaram cruelmente. Deus seja louvado pela constante fé deles.
Este Nicholas Burton mostrou um rosto tão radiante em meio das chamas, aceitando a morte com tal paciência e gozo, que seus atormentadores e inimigos que estavam perto dele, disseram-se que o diabo tinha tomado já sua alma antes de chegar ao fogo; e por isso falaram que tinha perdido a sensibilidade ao sofrimento.
O que aconteceu após o arresto de Nicholas Burton foi que todos os bens e mercancias que tinha trazido consigo à Espanha para o comércio lhe foram confiscados, segundo o que eles costumavam fazer; entre aquilo que tomaram havia muitas coisas que pertenciam a um outro mercador inglês, quem as tinha entregado a ele como comissionado. Assim, quando o outro mercador soube que seu comissionado estava arrestado, e que seus bens estavam confiscados, enviou seu advogado à Espanha, com poderes seus para reclamar e demandar seus bens. O nome deste advogado era John Fronton, cidadão de Bristol.
Quando o advogado houve desembarcado em Sevilha e mostrado todas suas cartas e credenciais na casa santa, pedindo-lhes que aquelas mercadorias lhe fossem entregadas, lhe responderam que devia realizar uma demanda por escrito, e pedir um advogado (tudo isso, sem dúvida, para retrasá-lo), e imediatamente lhe assinaram um para que redigisse a súplica, e outros documentos de petição que devia exibir diante do santo tribunal, cobrando oito reais por cada documento. Não obstante, não fizeram o menor caso de seus papeis, como se não tivesse entregado nada. Durante três ou quatro meses, este homem não deixou de acudir a cada manhã e tarde no palácio do inquisidor, pedindo-lhes de joelhos que lhe concedessem sua solicitude, e de maneira espécie ao bispo de Tarragona, que era naqueles tempos o chefe da Inquisição em Sevilha, para que ele, por meio de sua autoridade absoluta, ordenasse plena restituição dos bens. Mas o botim era tão suculento e enorme, que era muito difícil desprender-se dele.
Finalmente, trás haver-se passado quatro meses inteiros em pleitos e rogos, e também sem esperança alguma, recebeu deles a resposta de que devia apresentar melhores evidências e trazer certificados mais completos da Inglaterra como prova de sua demanda os que tinha apresentado até então diante do tribunal. Assim, o demandante partiu para Londres, e rapidamente voltou a Sevilha com mais amplas e completas cartas de testemunho, e certificados, segundo tinham-lhe pedido, e apresentou todos estes documentos ante o tribunal.
Não obstante, os inquisidores seguiam tirando-o de seu pé, escusando-se por falta de tempo, e por quanto estavam ocupados com assuntos mais graves, e com respostas desta espécie o foram esquivando, até mais quatro meses.
No final, quando o demandante tinha já gasto quase todo seu dinheiro, e por isso argüia mais intensamente por ser atendido, passaram toda a questão ao bispo, quem, quando o demandante acudiu a ele, respondeu assim: "Que no que a ele dizia respeito, sabia o que devia fazer-se; mas ele era só um homem, e a decisão pertencia aos outros comissionados, e não somente a ele"; assim, passando-se o assunto uns a outros, o demandante não conseguiu obter sua demanda. Contudo, por causa de sua importunidade, disseram-lhe que haviam decidido atendê-lo. e a coisa foi assim: um dos inquisidores, chamado Gasco, homem muito bem experimentado nestas práticas, pediu ao demandante que se reunisse com ele depois da comida.
Aquele homem se sentiu feliz de ouvir as notícias, achando que iam entregá-lhe suas mercancias, e que o haviam citado com o propósito de falar com o que estava encarcerado para conferenciar acerca de suas contas, mas isto devido a um mal entendido, ouvindo que os inquisidores diziam que seria necessário que falasse com o preso, e com isso ficando mais convencido ainda de que agiriam de boa fé. Assim, acudiu ali ao cair da tarde. No instante em que chegou, o apreenderam e o encerraram na masmorra que lhe havia preparado.
O demandante, achando no princípio que tinha sido chamado para alguma outra coisa e ao ver-se, contra o que pensava, encerrado numa escura prisão, percebeu finalmente que as coisas não sairiam como ele tinha esperado.
Mas, al cabo de dois ou três dias, foi levado até o tribunal, onde começou a demandar seus bens; eles lhe pediram, sem aparentar nada de grave, que recitasse a oração Ave Maria: Ave Maria, gratia plena, Dominas tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesús Amen.
Esta oração foi escrita palavra por palavra conforme ele a pronunciava, e sem falar nada mais acerca de reclamar seus bens, porque já era coisa desnecessária, o mandaram de novo à prisão, e iniciaram processo contra ele como herege, porque não tinha falado seu "Ave Maria" à maneira romanista, senão que tinha terminado de modo muito suspeito, porque devia ter agregado no final: Sancta Maria mater Dei, ora pro nobis peccatoribus. Ao omitir isto, havia evidência suficiente (eles diseram) de que não admitia a mediação dos santos.
Assim suscitaram um processo para detê-lo no cárcere por mais tempo, e depois levaram seu caso diante de seu tribunal disfarçado desse modo, e ali se pronunciou sentença de que deveria perder todos os bens que reclamava, embora não fossem seus, e além disso sofrer um ano de cativeiro.
Mark Broughes, inglês e dono de uma nave inglesa chamada de Minion, foi queimado numa cidade em Portugal.
William Hoker, um jovem de dezesseis anos, inglês, filho apedrejado até morrer por certos jovens da cidade de Sevilha, pela mesma justa causa.

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