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sábado, 13 de agosto de 2011

Livro dos Mártires - Parte 20


Uma relação da guerra piemontesa
As matanças e assassinatos já mencionados que tiveram lugar nos vales do Piemonte quase despovoaram a maioria das cidades e dos vilarejos. Somente um lugar não tinha sido assaltado, e isso devia-se a sua inacessibilidade; tratava-se da pequena comunidade de Roras, que estava situada sobre uma penha.
Diminuindo o massacre em outras partes, o conde de Cristoplee, um dos oficiais do duque de Sabóia, decidiu que se era possível se apoderaria do lugar; com este propósito preparou trezentos homens e se colocaram emboscadas para tomar o lugar por surpresa.
Mas os habitantes de Rora foram informados da chegada destas tropas, e o capitão Josué Giavanel, um valoroso protestante, se colocou à cabeça de um pequeno grupo de cidadãos, e se puseram emboscadas para atacar o inimigo num pequeno desfiladeiro.
Quando apareceram as tropas e entraram no desfiladeiro, que era o único lugar pelo qual se podia aceder à cidade, os protestantes dirigiram um fogo certeiro e rápido contra eles, mantendo-se a coberto do inimigo atrás de arbustos. Muitos dos soldados foram mortos, e o resto, sob um fogo continuado, não vendo ninguém para poder rebater, acharam que o melhor era a retirada.
Os membros da pequena comunidade enviaram então um memorando ao marquês de Pianessa, um dos oficiais generais do duque, dizendo-lhe: "Que sentiam ter visto a necessidade, naquela ocasião, de recorrer às armas, mas a chegada secreta de um corpo de tropas, sem nenhuma razão nem notificação enviada por adiantado acerca do propósito de sua chegada os havia alarmado muito; que por quanto era seu costume não admitir a nenhum militar em sua pequena comunidade, haviam repelido a força com a força, e que o voltariam a fazer; porém, que em todos os outros aspectos se mantinham como dóceis, obedientes e leais súbditos de seu soberano, o duque de Sabóia".
O marquês de Pianessa, para reservar-se outra oportunidade de enganar e surpreender os protestantes de Roras, enviou-lhes uma resposta dizendo: "Que estava totalmente satisfeito com sua conduta, porque tinham feito o correto e inclusive rendido um serviço a seu país, por quanto os homens que tinham tentado passar o desfiladeiro não eram suas tropas, nem por ele enviadas, senão um bando de bandidos desesperados que tinham infestado o lugar durante algum tempo, e aterrorizado as regiões limítrofes". Para dar maior verossimilhança a sua perfídia, publicou depois uma proclama ambígua aparentemente favorável aos habitantes de Roras.
Não obstante, o dia depois desta proclama tão plausível e desta conduta tão enganosa, o marquês enviou quinhentos homens para tomar pose de Roras, enquanto a gente estava, pensava ele, tranqüilizada por sua pérfida conduta.
Mas o capitão Gianavel não era fácil de enganar. Pus então uma emboscada para este corpo de tropas, como tinha feito com a anterior, e obrigou-os a retirar-se com consideráveis perdas.
Embora tendo falhado nestas duas tentativas, o marquês de Pianessa decidiu um terceiro assalto, que seria ainda mais potente; porém primeiro publicou outra desavergonhada proclamação, negando todo conhecimento do segundo assalto.
Pouco depois, setecentos homens escolhidos foram enviados numa expedição que, apesar do fogo dos protestantes, forçaram o desfiladeiro, entraram em Roras e começaram a assassinar a todos os que encontravam, sem distinção de idade nem de sexo. O capitão protestante Gianavel, à cabeça de um pequeno grupo, apesar de ter perdido o desfiladeiro, decidiu disputar seu passo através de uma passagem fortificada que conduzia à parte mais rica e melhor da cidade. Aqui teve êxito, mantendo um fogo contínuo, e graças a que seus homens eram todos excelentes tiradores. O comandante católico-romano se viu grandemente abrumado ante esta oposição, porque pensava que havia vencido todas as dificuldades. Contudo, se esforçou por abrir-se passo, mas ao poder somente passar doze homens por vez, e estando os protestantes protegidos por um parapeito, viu que seria derrotado por um punhado de homens que se enfrentavam a ele.
Enfurecido ante a perda de tantas de suas tropas, e temendo a destruição se tentava o que via ser impraticável, considerou que o mais prudente era retirar-se. Sem embargo, não disposto a retirar seus homens pelo mesmo desfiladeiro pelo que havia entrado, devido à dificuldade e o perigo da empresa, decidiu retroceder a Vilano por outra passagem chamada Piampra que, embora difícil de acesso, era de fácil descida. Porém aqui se desenganou, porque o capitão Gianavel tinha emprazado ali seu pequeno grupo, fustigando intensamente suas tropas enquanto passavam, e inclusive perseguindo sua retaguarda até chegarem a campo aberto.
Vendo o marquês de Pianessa que todas suas tentativas tinham sido frustradas, e que todos os artifícios que havia utilizado somente constituíam um sinal de alarme para os habitantes de Roras, decidiu agir abertamente, e portanto proclamou que se dariam ricas recompensas a qualquer que aceitasse portar armas contra os obstinados hereges de Roras, como os chamava; e que todo oficial que os exterminasse seria recompensado de uma forma principesca.
Isto atraiu o capitão Mario, um fanático católico-romano e rufião, para empreender a ação. Assim, recebeu para recrutar um regimento nas seguintes seis cidades: Lucerna, Borges, Famolas, Bobbio, Begnal e Cavos.
Tendo completado o regimento, que consistia em dois mil homens, preparou seus planos para não ir pelos desfiladeiros ou passos, senão tratar de alcançar o topo da penha, desde onde pensava que poderia lançar seus homens contra a cidade sem demasiada dificuldade ou oposição.
Os protestantes deixaram que as tropas católico romanas alcançassem quase o cume da penha sem apresentar oposição alguma, e sem sequer deixar-se ver. Mas quando estavam já quase chegando ao cume, lançaram uma intensa ofensiva contra eles: uma partida manteve um fogo constante e bem dirigido, e outra partida lançava enormes pedras.
Isto deteve o avanço das tropas papistas; muitos foram mortos pelos mosquetes, e mais ainda pelas pedras, que os lançavam precipício abaixo. Vários morreram pela presa em retroceder, caindo e destrocando-se; o próprio capitão Mario apenas se conseguiu salvar a vida, porque caiu desde uma lugar muito quebrado no qual estava num rio que lambia o pé da rocha. Foi recolhido sem conhecimento, porém depois se recuperou, embora esteve impedido durante muito tempo devido às feridas sofridas; no final caiu em Lucerna, onde morreu.
Outro corpo de tropas foi enviado desde o acampamento em Vilário para tentar o assalto de Roras; mas também esses foram derrotados pelos protestantes emboscados, e se viram obrigados a retirar-se de novo.
Depois de cada uma destas vitórias, o capitão Gianavel falava de forma prudente a suas tropas, fazendo-os ajoelhar-se e agradecer o Todo Poderoso por Sua proteção providencial; e geralmente concluía com o Salmo onze, cujo tema é depositar a confiança em Deus.
O marquês de Pianessa se enfureceu em sumo grau por ver-se frustrado pelos poucos habitantes de Roras; por isso, decidiu tentar sua expulsão de uma forma que não poderia deixar de ter êxito.
Com isto em vista, ordenou que fosse mobilizadas todas as milícias católico romanas do Piemonte. Quando estas tropas estiveram já dispostas, agregou-lhes oito mil soldados das tropas regulares, e dividindo o todo em três corpos distintos, ordenou que se lançassem três formidáveis ataques simultaneamente, a não ser que a gente de Roras, aos que enviou uma advertência de seus grandes preparativos, acedesse às seguintes condições:
1) Que pedissem perdão por terem tomado as armas.
2) Que pagassem os custos de todas as expedições enviadas contra eles.
3) Que reconhecessem a infalibilidade do Papa.
4) Que fossem à missa.
5) Que orassem pelos santos.
6) Que levassem barba.
7) Que entregassem seus ministros.
8) Que entregassem seus professores.
9) Que fossem à confissão.
10) Que pagassem dinheiro pela liberação de almas do purgatório.
11) Que entregassem o capitão Gianavel de maneira incondicional.
12) Que entregassem os anciãos de sua igreja incondicionalmente.
Os habitantes de Roras, ao conhecerem as condições, se encheram de profunda indignação e, como resposta, enviaram ao marquês a contestação de que antes de aceder a elas sofreriam as três coisas mais terríveis para a humanidade:
1) Que lhes arrebatassem seus bens.
2) Que suas casas fossem queimadas.
3) Que eles fossem mortos.

Aos obstinados hereges que moram em Roras:
Obtereis vossa petição, porque as tropas enviadas contra vós outros têm estritas ordens de saquear, queimar e matar.
Pianessa.

Então os três exércitos receberam ordem de avançar, e os ataques foram dispostos desta forma: o primeiro pelas rochas de Vilário; o segundo pelo passo de Bagnol; e o terceiro pelo desfiladeiro de Lucerna.
As tropas se abriram caminho pela superioridade de seu número, e tendo ganhado as rochas e o desfiladeiro, começaram a cometer as mais terríveis barbaridades e as maiores crueldades. Aos homens os enforcaram, queimaram, puseram no potro do tormento até morrer e os despedaçaram; às mulheres as destriparam, crucificaram, afogaram ou lançaram desde os precipícios; e a seus filhos os lançaram sobre lanças, os trucidaram, degolaram ou esmagaram contra as pedras. Cento e vinte e seis habitantes sofreram desta forma no primeiro dia em que ocuparam a cidade.
Em conformidade com as ordens do marquês de Pianessa, também saquearam as possessões e queimaram as casas dos habitantes. Porém, vários protestantes conseguiram fugir, conduzidos pelo capitão Gianavel, cuja mulher e filhos, desgraçadamente, caíram prisioneiros, e foram levados sob forte custodia a Torino.
O marquês de Pianessa escreveu uma carta ao capitão Gianavel, liberando um prisioneiro protestante para que a levasse. O conteúdo era que se o capitão abraçava a religião católica-romana, seria indenizado por todas suas perdas desde o começo da guerra; que sua mulher e filhos seriam de imediato liberados, e que ele mesmo seria honrosamente ascendido no exército do duque de Sabóia. Mas que se recusasse aceder às proposições que se faziam, sua mulher e filhos seriam mortos, e que se ofereceria uma recompensa tão enorme por sua entrega, vivo ou morto, que inclusive alguns de seus mais íntimos amigos se sentiriam tentados a traí-lo, pela enormidade da suma.
A esta epístola o valente Gianavel enviou a seguinte resposta:

Meu senhor marquês:
Não há tormento tão grande nem morte tão cruel que me fizessem preferir abjurar de minha religião; de maneira que as promessas perdem sua efetividade, e as ameaças tão só me fortalecem em minha fé.
A respeito de minha mulher e filhos, mas senhor, nada pode afligir-me tanto como o pensamento de seu encerro, nem nada pode ser terrível para minha imaginação que pensar em que sofrerão uma morte violenta e cruel. Sinto agudamente todas as horríveis sensações de um marido e um pai; meu coração está cheio de todos os sentimentos humanos; sofreria qualquer tormento para resgatá-los do perigo; morreria para preservá-los.
Mas tendo dito tudo isto, meu senhor, os asseguro que a compra de suas vidas não pode ser o preço de minha salvação. Certo é que os tendes em vosso poder; porém meu console é que vosso poder é somente uma autoridade temporária sobre seus corpos; podeis destruir a parte mortal, mas suas almas imortais estão além de vosso alcance, e viverão no além para darem testemunho contra vós por vossas crueldades. O isso, encomendo-os, assim como a mim mesmo, a Deus, e oro para que vosso coração seja transformado.
Josué Gianavel

Trás escrever esta carta, este corajoso oficial protestante se retirou aos Alpes com seus seguidores, e depois de unir-se-lhe um grande número de outros protestantes fugitivos, fustigou o inimigo com contínuas escaramuças.
Encontrando-se um dia com um corpo de tropas papistas perto de Bibiana, ainda que inferior em número de soldados, os atacou com grande ímpeto, e os pus em fuga sem perder um único homem, embora ele mesmo foi alcançado numa perna na batalha, por um soldado que se escondera trás uma árvore. Gianavel, contudo, percebendo de onde tinha partido o disparo, apontou lá e deu morte ao que o havia ferido.
Ouvindo o capitão Gianavel que um tal de capital Jahiei tinha recolhido um considerável número de protestantes, escreveu-lhe, propondo-lhe unirem forças. O capitão Jahier acedeu de imediato ante a proposta, e se dirigiu diretamente ao encontro de Gianavel.]
Realizada a união, propuseram atacar uma cidade (ocupada por católico-romanos) chamada Garcigliana. O assalto foi empreendido com grande esforço, porém por terem chegado recentemente à cidade uns reforços de cavalaria e infantaria, do qual os protestantes nada sabiam, foram rejeitados; contudo, fizeram uma retirada perfeita, perdendo um único homem na ação.
A seguinte tentativa das forças protestantes foi contra St. Secondo, que atacaram com grande vigor, mas encontrando uma forte resistência das tropas católico romanas que haviam fortificado as ruas e que se tinham feito fortes nas casas, desde as que disparavam nutrido fogo de mosquetes. Não obstante, os protestantes avançaram, sob o coberto de um grande número de tábuas de madeira que uns sustinham sobre suas cabeças para protegê-los do fogo inimigo procedente das casas, enquanto outros mantinham um fogo bem dirigido. Assim, as casas e os pontos fortes foram logo abatidos, e a cidade, tomada.
Na cidade encontraram uma quantidade enorme de botim arrebatado aos protestantes em diferentes ocasiões e lugares, que estava guardado em armazéns, igrejas, casas, etc. tudo isto levaram a lugar seguro, para distribuí-lo, com a maior eqüidade, entre os sofredores.
Este ataque, com tanto êxito, foi efetuado com tanta destreza e ânimo, que custou mui poucas perdas à tropa atacante. Os protestantes somente perderam dezessete homens, e tiveram vinte e seis feridos, enquanto que os papistas sofreram uma perda de pelo menos quatrocentos e cinqüenta mortos e quinhentos e onze feridos.
Cinco oficiais protestantes —Gianavel, Jahier, Laurentio, Genolet e Benet—, fizeram um plano para surpreender Biqueras. Para este fim marcharam em cinco grupos, com o acordo de atacarem simultaneamente. Os capitães Jahier e Laurentio passaram através de duas fileiras nos bosques, e chegaram ao lugar, sãos e salvos, a coberto; porém os outros três corpos fizeram sua entrada por campo aberto, e por isso ficaram mais vulneráveis ao ataque.
Dado o alarme no campo católico-romano, se enviaram muitas tropas desde Cavors, Bibiana, Feline, Campiglione e outros lugares vizinhos, para reforçar Biqueras. Quando estas tropas se uniram, decidiam atacar as três partidas protestantes, que estavam marchando por terreno aberto.
Os oficiais protestantes, percebendo as intenções do inimigo, e não encontrando-se a grande distância entre si, uniram suas forças a toda pressa, e se formaram em ordem de batalha.
Enquanto isso, os capitães Jahier e Laurentio tinham assaltado a cidade de Biqueras, e queimado todas as casas de fora, para realizar sua aproximação com maior facilidade. Mas ao não ver-se apoiados como esperavam pelos outros três capitães protestantes, enviaram um mensageiro num veloz cavalo, a terreno aberto, para saber da razão.
O mensageiro voltou pronto, e disse que os outros três capitães protestantes não poderiam ajudá-los em sua missão, porquanto estavam sendo atacados por uma força muito superior na planície, e apenas se podiam manter-se naquele desigual combate.
Ao saber disto os capitães Jahier e Laurentio, decidiram deixar o assalto de Biqueras a toda pressa, para prestar ajuda a seus amigos na planície. Esta decisão resultou ser mais que oportuna, porque justo ao chegarem ao lugar onde os dois exércitos estavam livrando a batalha, as tropas papistas estavam começando a prevalecer, e estavam a ponto de exceder o flanco da ala esquerda, comandada pelo capitão Gianavel. A chegada destas tropas voltou o ponteiro da balança em favor dos protestantes, e as forças papistas, embora lutando com firme intrepidez, foram totalmente derrotadas. Um grande número foram mortos e feridos de ambos bandos, e os fornecimentos e apetrechos militares que os protestantes tomaram foi enorme.
Ao saber o capitão Gianavel que trezentos inimigos iriam transportar uma grande quantidade de víveres, provisões, etc., desde La Torre ao castelo de Mirabac, decidiram atacá-los no caminho. Lançou o ataque, então, desde Malbee, embora com uma força muito pequena. A luta foi longa e sangrenta, mas os protestantes se viram finalmente obrigados a desistir, ante a superioridade numérica do adversário, e a retirar-se, o que fizeram com suma ordem e mui poucas perdas.
O capitão Gianavel, então, dirigiu-se a um posto avançado, situado perto da cidade de Vilário, e enviou a seguinte informação e ordens a seus habitantes:
1) Que atacaria a cidade no prazo de vinte e quatro horas.
2) Que no que dizia respeito aos católico-romanos que portassem ou tiverem portado armas, tanto se pertenciam ao exército como se não, agiriam pela lei do talião, dando-lhes morte, pelas numerosas depredações e muitos cruéis assassinatos que haviam cometido.
3) Que seriam respeitadas todas as mulheres e crianças, da religião que fossem.
4) Que mandava todos os protestantes varões a saírem da cidade e se unirem às suas forças.
5) Que todos os apóstatas que, por temor, tiverem abjurado Deus sua religião, seriam considerados inimigos, a não ser que renunciassem a sua abjuração.
6) Que todos os que voltassem a seu dever para com Deus e para si mesmos seriam recebidos como amigos.
Os protestantes, de maneira geral, saíram da cidade de imediato, e se uniram de muito boa vontade ao capitão Gianavel, e os poucos que por fraqueza ou temor tinham abjurado de sua fé foram recebidos no seio da Igreja. Devido a que o marquês de Pianessa tinha retirado seu exército e acampado numa parte distante da região, os católico-romanos de Vilário pensaram que seria uma insensatez tentar defender o lugar com a pequena força que tinha. Por isso, saíram com a maior precipitação, deixando a cidade e a maior parte de suas possessões em mãos dos protestantes.
Os comandantes protestantes, tendo convocado um conselho de guerra, resolveram lançar um ataque contra a cidade de La Torre.
Os papistas prosseguiram com sua marcha, e as tropas de La Torre, ao vê-los chegar, fizeram uma enérgica saída, mas foram repelidos com grandes perdas, vendo-se obrigados a refugiar-se na cidade. Os governadores pensaram agora somente em defender a praza, que os protestantes começaram a atacar formalmente. Porém, depois de muitas corajosas tentativas e furiosos ataques, os comandantes decidiram abandonar a empresa por várias razões; entre elas, que a cidade mesma estava muito fortificada, que seu próprio número era insuficiente, e que seu canhão não era adequado para a tarefa de abrir brechas nas muralhas.
Tendo tomado esta decisão, os comandantes protestantes começaram uma retirada perfeita, executando-a com tal ordem que o inimigo não se atreveu a persegui-los nem a fustigar sua retaguarda ao passar pelos desfiladeiros, ação que poderia ter empreendido.
No dia seguinte convocaram o exército, passaram revista e viram que o total de seus homens ascendia a quatrocentos e noventa. Então celebraram um conselho de guerra e decidiram uma empresa mais fácil: atacar à comunidade de Crusol, um lugar habitado por vários dos mais fanáticos católico-romanos, e que durante as perseguições tinham cometido as crueldades mais inauditas contra os protestantes.
A gente de Crusol, ao conhecer as intenções em contra deles, fugiram a uma fortaleza próxima, emprazada numa penha, onde os protestantes não podiam atacá-los, porque com muito poucos homens podia fechar-se o passo a um exército numeroso. Assim, salvaram suas vidas, porém se deram demasiada pressa em salvar seus bens, cuja parte principalmente por outra parte, era botim tomado aos protestantes e que agora, afortunadamente, voltou à possessão de seus legítimos donos. Consistia em muitos e valiosos artigos, e o que era muito mais importante naqueles momentos, numa grande quantidade de petrechos militares.
O dia depois que os protestantes partiram com seu botim, chegou uma tropa de oitocentos soldados para ajudar o povo de Crusol, que tinham sido enviado desde Lucerna, Biqueras, Cavors, etc. Mas ao ver que tinham chegado demasiado tarde, e que a perseguição seria inútil, a fim de não voltar com as mãos vazias começaram a saquear os povos vizinhos, embora estivessem roubando de seus amigos. Depois de ter recolhido um considerável botim, começaram a reparti-lo entre eles, porém, não ficando de acordo com as partes que tinham distribuído, passaram das palavras às pancadas, cometendo muitas mais barbaridades que antes, e se saquearam mutuamente.
O mesmo dia em que os protestantes conseguiam seu êxito em Crusol, alguns papistas se puseram em marcha com o desígnio de saquear e queimar o pequeno povoado protestante de Rocappiatta, mas no caminho se encontraram com as forças protestantes dos capitães Jahier e Laurentio, que estavam apostadas sobre o monte de Angrogne. Começou uma pequena escaramuça, porque os católico-romanos, no primeiro ataque, foram presa da maior confusão, e foram perseguidos com grande mortandade. Depois de acabar a perseguição, algumas tropas papistas retrasadas se encontraram com um coitado camponês protestante e o apreenderam, lhe amarraram uma corda em volta da cabeça e a esticaram até arrebentá-la.
O capitão Gianavel e o capitão Jahier consertaram juntos um plano para atacar Lucerna; no entanto, ao não chegar o capitão Jahier com suas forças no momento marcado, o capitão Gianavel decidiu acometer a empresa sozinho.
Por isso, se dirigiu a marcha forçada até aquele lugar durante toda a noite, e se apostou perto dela ao raiar o dia. Sua primeira ação foi cortar as tubulações que levavam a água à cidade, e depois demolir a ponte, sendo que somente por ela podiam introduzir-se provisões desde o campo.
Depois assaltou o lugar, e se apoderou rapidamente de duas posições avançadas; mas ao ver que não podia apoderar-se da cidade, se retirou prudentemente sofrendo muito poucas perdas, porém jogando a culpa sobre o capitão Jahier pelo fracasso da empresa.
Sendo informados os papistas de que o capitão Gianavel estava em Angrogne somente com a sua companhia, decidiram surpreendê-lo, se for possível. Visando a isto, reuniram um grande número de tropas procedentes de La Torre e de outros lugares. Uma parte destas tomaram o cume de uma montanha, sob a qual estava ele aquartelado, e a outra parte tentou tomar a porta de são Bartolomeu.
Os papistas acreditavam que iriam certamente apoderar-se do capitão Gianavel e de todos seus homens, por quanto eram só trezentos, e sua força ascendia a dois mil homens. Porém seu desígnio foi providencialmente frustrado, porque um dos soldados papistas foi tão imprudente como para dar um toque de corneta antes que fosse dado o sinal de ataque. O capitão Gianavel deu então o alarme, e dispus seu pequeno grupo numa posição tão vantajosa junto da porta de são Bartolomeu e do desfiladeiro pelo qual o inimigo devia descer das montanhas, que as tropas católico-romanas fracassaram em ambos os ataques, e foram superadas com grandes perdas.
Pouco depois, o capitão Jahier acudiu a Angrogne e uniu suas forças às do capitão Gianavel, dando razões suficientes para escusar sua já mencionada falta de assistência. O capitão Jahier empreendeu agora algumas saídas secretas com grande êxito, selecionando sempre as tropas mais ativas, tanto de Gianavel como das suas próprias. Um diz se colocou à cabeça de quarenta e quatro homens, para empreender uma expedição, quando, ao entrar numa planície perto de Osaae, viu-se de repente rodeado por um grande esquadrão de cavalaria. O capitão Jahier e seus homens lutaram desesperadamente, embora abrumados pelo número, e deram morte ao comandante em chefe, a três capitães e a cinqüenta e sete soldados do inimigo. Porém, morto o próprio capitão Jahier, com trinta e cinco de seus homens, o resto se rendeu. Um dos soldados cortou a cabeça do capitão Jahier e, levando-a a Torino, a apresentou ao duque, quem o recompensou com seiscentos ducados.
A morte deste cavalheiro foi uma perda marcada para os protestantes, porque era um verdadeiro amigo e companheiro da Igreja reformada. Possuía um espírito dos mais corajosos, de maneira que nenhuma dificuldade podia acobardá-lo para executar uma empresa, nem algum perigo atemorizá-lo em sua execução. Era piedoso sem afetação, e humano sem debilidade; aguerrido no campo de batalha, manso na vida domestica, de um gênio penetrante, ativo de espírito e resolvido em tudo quanto empreendia.
Para acrescentar às aflições dos protestantes, o capitão Gianavel foi ferido pouco depois de modo tão grave que se viu obrigado a guardar cama. Mas eles tiraram forças da fraqueza, e decidindo não permitir que seus espíritos ficassem abatidos, atacaram um corpo de tropas papistas com grande intrepidez; os protestantes eram muito inferiores em número, mas lutaram com maior resolução que os papistas, e ao final os puseram em fuga com uma considerável perda. Durante esta ação, um sargento chamado Miguel Bertino foi morto; então seu filho, que estava perto, detrás dele, pulou em seu lugar e gritou: "Eu perdi meu pai, mas tende valor, companheiros de milícia: Deus é por de todos nós!"
Também tiveram lugar várias escaramuças entre as tropas de La Torre e Tagliaretto de uma parte, e as protestantes de outra, que em geral viram a vitória das armas protestantes.
Um cavalheiro protestante chamado Andrion levantou um regimento de cavalaria, e se colocou ele mesmo no comando. O senhor João Leger persuadiu um grande número de protestantes para que se constituíssem em companhias voluntárias, e um excelente oficial formou vários grupos de tropas ligeiras. Estes, unindo-se aos restos das tropas protestantes veteranas (porque muitos tinham morrido nas várias batalhas, escaramuças, assédios, etc.), se converteram num exército tão considerável, que os oficiais acharam oportuno acampar perto de St. Giovanni.
Os comandantes católico-romanos, alarmados ante a formidável presença e crescente aumento das forças protestantes, decidiram desalojá-los, se possível, de seu acampamento. Com este propósito, mobilizaram uma grande força, consistente na parte principal das guarnições das cidades católico-romanas, das brigadas irlandesas, uma grande quantidade de regulares enviados pelo marquês de Pianessa, as tropas auxiliares e companhias independentes.
Estas tropas, já combinadas, acamparam perto dos protestantes, e passaram vários dias celebrando conselhos de guerra, e discutindo acerca da melhor forma de agir. Alguns estavam a favor de devastar a região, para expulsar os protestantes de seu acampamento; outros, por esperar pacientemente a serem atacados; uns terceiros, por assaltar o acampamento protestante, e tentar apoderar-se de tudo quanto houvesse nele.
A opinião destes últimos prevaleceu, e na manhã seguinte de ter sido tomada esta resolução, foi executada. As tropas católico-romanas foram portanto separadas em quatro divisões, três das quais deviam lançar um ataque em diferentes lugares, e a quatro ficar como corpo de reserva segundo o ditassem as necessidades.
Um dos oficiais católico-romanos fez esta arenga a seus homens antes de lançar seu ataque:
"Soldados e companheiros, vais agora a entrar numa grande ação que vos dará fama e riquezas. Os motivos para agirdes com ânimo são também de enorme importância: por uma parte, a honra de mostrar vossa lealdade a vosso soberano; por outra, o prazer de derramar sangue herege, e finalmente a perspectiva de saquear o acampamento protestante. Sendo assim, meus valentes soldados, lançai-vos sem quartel, matai a todos os que encontreis, e pegai tudo quanto achardes".
Depois deste desumano discurso começou a batalha, e o acampamento protestante foi atacado desde três lados com uma fúria inconcebível. A luta se manteve com grande obstinação e perseverança por ambas partes, continuando sem interrupções por espaço de quatro horas, porque as várias companhias de ambos os lados se relevavam de maneira alternada, e por este meio mantiveram a luta sem cessar durante toda a batalha.
Durante o enfrentamento dos exércitos principais, se enviou um destacamento do corpo de reserva para atacar o posto de Castelas que, se os papistas tivessem triunfado, teria-lhes dado o controle dos vales de Perosa, St. Martino e Lucerna; apesar disso, foram repelidos com graves perdas e obrigados a voltar ao corpo de reserva, desde o qual tinham sido enviadas.
Pouco depois do regresso deste destacamento, as tropas católico-romanas, vindo-se abrumadas na batalha principal, enviaram pelo corpo de reserva, para que viesse em seu auxílio. Estes marcharam de imediato em sua ajuda, e por algum tempo depois a situação ficou duvidosa. Mas no final prevaleceu o valor dos protestantes, e os papistas foram totalmente repelidos, com a perda de mais de trezentos homens mortos, e muitos mais feridos.
Quando o síndico de Lucerna, que era certamente papista, porém não fanático, viu o grande número de feridos trazidos à cidade, exclamou: "Ah! Eu cria que os lobos costumavam comer os hereges, mas agora vejo que são os hereges quem comem os lobos!". Ao saber o comandante em chefe católico, M. Marolles, destas palavras, enviou-lhe uma carta tão dura e ameaçadora, que o síndico sentiu-se aterrado a ponto tal que caiu preso de umas febres, e morreu após alguns dias.
Esta grande batalha foi livrada justo antes de ceifar a colheita, e então os papistas, exasperados por sua derrota decidiram, a modo de vingança, espargir-se uma noite em bandos separados pelos melhores campos de trigo dos protestantes, e pegá-lhes fogo desde múltiplos pontos. Porém alguns dos foragidos sofreram pela sua conduta: os protestantes, avisados durante a noite pelo resplendor do fogo entre o trigo, perseguiram os fugitivos ao raiar o dia, alcançando muitos e dando-lhes morte. Como represália, o capitão protestante Bellin foi com um corpo de tropas ligeiras, e queimou os subúrbios de La Torre, retirando-se depois com muito poucas perdas.
Poucos dias depois, o capitão Bellin, com um grupo muito maior de tropas, atacou a mesma cidade de La Torre, e provocando uma brecha na parede do convento, introduziu seus homens, conduzindo-os à cidadela e queimando tanto a cidade como o convento. Depois de ter feito isto, efetuaram uma ordenada retirada, porque não conseguiram reduzir a cidadela por falta de um canhão.

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